terça-feira, 22 de junho de 2010

CADA DIA CUSTA UM CONTO

Para garantir a felicidade, a esperança e o dia seguinte – de subsistência e sobrevivência – pessoas criam, no seu imaginário, contos para amenizar as dores do dia sofrido. No dia de festa, um deprimido, na segunda-feira, um desempregado, por enquanto, um rapaz virgem, num dia de chuva, um pescador, todo dia, uma mãe, em dia de missa, uma freira e a qualquer tempo, uma prostituta.

CONTOS DE SETE CORES



Quantas histórias, verdadeiras ou não, ouvimos de tantas pessoas que conhecemos ao longo das estradas por onde andamos! Se fosse possível escrever cada uma delas em páginas com cores distintas, escolheria o branco para as de minha infância, as amarelas para as inventadas pelos amigos da adolescência, as laranjas para os causos de aventureiros, as vermelhas para aquelas que falam de martírios, imprimiria nas verdes os contos dos lavradores, as azuis, ainda não decidi, as páginas violetas seriam dedicadas ao advento de toda gente que almejou a justiça e a felicidade e isso me faz lembrar de Robval.

Este texto é um fragmento de um livro que desejo compartilhar com todas as pessoas e que existe e inside em mim.

domingo, 20 de junho de 2010

AMARELO COR DE OURO


O carro branco que encontraram próximo ao local do crime não pertencia a ninguém. Foi o que diziam. Armas não existiam. Corpos não existiam. As testemunhas ainda existem, mas como é de costume o que elas viram não foi nada ou já esqueceram. O passado parece não mais existir. Ali, ao contrário de qualquer outro lugar, as pessoas esqueciam rapidamente tudo o que acontecia. Mas, afinal, que crime foi cometido neste local para que alguns homens e mulheres cravassem uma cruz de aroeira no fim e início desta passagem? Perguntou uma criança que via este feito, sabe-se lá se religioso ou arquitetônico. Ali também se encontrava uma anciã que trajava trapos fedidos alimentando um cão estimado por ela, que ouviu e respondeu à pergunta da criança. Convidando-a para sentar ao seu lado começou a partilhar tudo que guardara na mente. Como se desfiasse os fracos fios dos trapos que vestia, contou sobre os homens e as mulheres que alimentaram os peixes daquele enorme rio e que não tiveram tempo de alimentar seus filhos, que até hoje esperam seus pais em algum lugar. Sem demora, a criança logo encontro o colo daquela senhora que continuou a desfiar a história que presenciara.

- Um dia um povo saiu de sua terra a procura de sustento e veio para cá porque souberam das riquezas que esta terra guarda. De todas a mais valiosa foi o ouro. Acreditava-se que poderiam comprar um lar e garantir o sustento para todos que deixaram em sua terra de origem. O ouro não brilhava mais que a esperança e a simplicidade daqueles corpos tão cheios de vontade de viver. Alguns vieram do nordeste, terra de belas praias e muita seca, onde se reza por chuva e roça o mandacaru. Suas crenças são tão presente quanto suas descrença nas leis e na política. Se voltar para lá de mãos vazia, esse povo terá que receber esmolas em troca dos votos das mãos dos coronéis.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

HÁ LÍNGUAS EM PORTUGUÊS



Análise do filme Língua: Vidas em Português, de Victor Lopes.


O filme “Línguas: Vidas em português” trata do universo em que a língua portuguesa é falada, sonhada, transformada e re-significada por mais de 200 milhões de cidadãos em diversas partes do mundo. Este filme traz depoimentos de personalidades como os escritores José Saramago e João Ubaldo Ribeiro e do cantor Martinho da Vila, entre outros. O diretor do filme, Victor Lopes, é um moçambicano criado em Portugal e radicado há 25 anos no Brasil.

Parafraseando José Saramago digo que o português se espalhou no mundo, se misturou no mundo e, sobretudo, sofreu e sofre as transformações nos lugares aonde são faladas as “línguas em português”. Essa língua portuguesa que aportou de modo imperioso e às vezes amigável em além Portugal, falada e sonhada com muitas variações, é fruto do crescimento de “um filho maior que o pai” como diz Mia Couto.

A língua portuguesa não se esgota no tempo, nem mesmo com os descartes e o desuso ocorridos com as influências das culturas por onde ela transitou e transita hoje. Como assinala Saramago:





“Pensemos que são, no nosso caso, oito séculos de pessoas a falar português e a escrever português. Muita coisa de perdeu, evidentemente, mas aquilo que ficou, aquilo que sobrou, aquilo que os arquivos e as bibliotecas guardam, dava para passar lá a vida inteira, mergulhado na língua portuguesa”. (in Filme Línguas: vidas em português)


A língua portuguesa transita e relaciona-se com outros idiomas e por maneiras variadas de expressar (latim, inglês, chinês, japonês,... nas gírias, na retórica, no canto, no conto, nas literaturas, nos acordes). Com diz Saramago no filme: “Ela se tornou uma língua muito diversa. Falamos a mesma língua, mas ela não é falada da mesma maneira”. Mesmo sendo falada em culturas totalmente diversas é possível reconhecer características que identificam o povo que a fala e influência cultural e social na língua portuguesa. Para João Ubaldo Ribeiro, estaríamos falando o latim até hoje se a língua portuguesa não sofresse mudanças.

As variações percebidas no filme Língua: vidas em português representam a diversidade, a interculturalidade, resultantes do convívio e de empréstimos recíprocos com as outras. Essa diversidade, como assinala Canclini, “(...) não se apresenta somente porque distintos setores da sociedade escolhem se desenvolver de formas diferentes, mas também porque tiveram formas desiguais de acesso aos bens”. (in OIC, 2009, 145)

A fala de Martinho da Vila resume minha percepção do filme de Victor Lopes, citando os elementos abordados nos diversos depoimentos. Assim diz Martinho:

“E hoje eu já andei os continentes todos, mas onde eu gosto mesmo, os países onde eu gosto de trafegar, não sei se é a força da língua, mas são os países de lusofonia. Eu vejo uma identidade entre todos eles. No gosto, no gosto musical, no gosto gastronômico, no gosto literário. (...) Então, é uma coisa assim que a língua portuguesa fez: manteve os países distantes que ficaram muito tempo sem se comunicar praticamente. Essa ligação é muito recente. Agora o mistério é como tudo permaneceu”. (Martinho em Línguas: vidas em português)


De certo, muito poderia ser pontuado: as influências culturais e religiosas, o sentido de tempo e o significado de palavras como futuro. Contudo, afirmo que até então entendo que, com ou sem variação na língua portuguesa, o que se pretende é comunicar-se e comunicar algo sobre nós mesmo.




Referências

LÍNGUA: Vidas em Português. Documentário. Direção de Victor Lopes. Roteiro: Ulysses Nadruz e Victor Lopes. Produção executiva: Renato Pereira e Suely Weller. Co-produção: TV Zero, Sambascope e Costa do Castelo. Elenco: José Saramago, Martinho da Vila, João Ubaldo Ribeiro, Mia Couto, Grupo Madredeus. DVD, 105 min. Brasil, 2004

CANCLINI. Néstor García, Diversidade e direitos na interculturalidade global. Revista Observatório Itaú Cultural / OIC - n. 8 (abr./jul. 2009). – São Paulo, SP: Itaú Cultural, 2009.

Sobre A redução da Menor Idade, você prefere...

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